26 September 2008

A natureza do amor

De que natureza era então o amor?

Em primeiro lugar é uma experiência a dois, mas isso não quer dizer que seja a mesma coisa para cada um. Há o que ama e o que é amado, e esses dois eram diferentes como o dia da noite. Muitas vezes, o amado é apenas um estímulo para todo o amor acumulado, durante muito tempo e até àquele momento, pelo amante. De algum modo, cada amante sabe que é assim. Sente no seu íntimo que o seu amor é solitário. Depois, conhece uma nova e estranha solidão, que o faz sofrer ainda mais. De maneira que só lhe resta fazer uma coisa. Deve abrigar dentro de si, o melhor que puder, esse amor; deve criar um mundo só seu, intenso e único. Diga-se ainda que este amante de que se fala agora, não precisa, necessariamente, de ser jovem nem destinado ao casamento – pode ser homem, mulher criança, uma qualquer criatura terrena.

E quanto ao amado, também pode ser de qualquer espécie ou natureza. O estímulo do amor pode ser provocado pelo ser mais díspar ou exótico. Um homem pode ser avô e decrépito e ainda ama uma rapariga desconhecida que viu, uma tarde, nas ruas de Cheehaw, há mais de vinte anos. O pregador põe apaixonar-se pela mulher perdida. O ser amado pode ser pérfido, ter o cabelo oleoso ou maus hábitos. Sim, e o amante pode ver isso também como qualquer outra pessoa, sem que isso afecte o seu amor. A pessoa mais insignificante pode ser objecto de um amor selvagem, extravagante e belo como os lírios venenosos do pântano. Um homem normal pode estimular um amor ao mesmo tempo violento e humilhante, como um louco pode provocar na alma de outra pessoa um idílio simples e terno. Portanto, o valor e qualidade do amor é decidido apenas pelo próprio amante.

É por esta razão que muitos preferem amar a ser amados. Quase toda a gente quer ser o amante. E a verdade nua e crua é esta: no íntimo, o facto de ser amado é intolerável para muita gente. O amado teme e odeia o amante e pela melhor das razões. O amante quer sempre mais intensamente ao seu amado, ainda que isso lhe cause somente dor.


A Balada do Café Triste, Carson McCullers

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